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Mickey Mouse e os desafios do domínio público: notas sobre as diferenças nos EUA e no Brasil

por | 23/01/2024 | Artigos, Marcas

Nuances do domínio público: Mickey Mouse entra na cena após um século, saiba as diferenças nas leis de direitos autorais entre EUA e Brasil.

Na segunda-feira 1º de janeiro de 2024, marcou-se um acontecimento histórico: após quase um século de proteção de direitos autorais, as primeiras versões do Mickey Mouse, aquelas dos desenhos animados em preto e branco O Vapor Willie e Plane Crazy (versão sem som), adentraram o domínio público. Esta mudança suscita reflexões sobre as nuances das leis de direitos autorais nos Estados Unidos e no Brasil, países que adotam abordagens distintas em relação à proteção autoral.

Importante estar ciente de que o prazo de proteção dos direitos autorais varia conforme a legislação de cada país. Em particular nos EUA, as regras para determinar se uma obra está em domínio público são complexas devido às sucessivas mudanças legislativas ao longo dos anos. É preciso saber não só a data de criação, publicação ou morte do autor, mas também outras particularidades – se é uma obra por encomenda (“work made for hire”), por exemplo.

No Brasil, a regra é quase única: 70 anos a partir do 1º de janeiro subsequente ao falecimento do autor, ou da sua primeira publicação/divulgação, no caso das obras anônimas, pseudônimas, audiovisuais e fotográficas.

Assim, o ingresso, no domínio público nos EUA, de “O Vapor Willie” e a versão sem som de “Plane Crazy” em 2024, revela que o famoso ratinho Mickey Mouse estará disponível para uso público nos EUA, mas a situação pode ser diferente em outras jurisdições.

O domínio público significa a perda de exclusividade sobre a exploração econômica da obra. Vale dizer, uma vez que a obra ingressa no domínio público, qualquer um poderá fazer uso dela e auferir vantagem econômica sem pedir autorização prévia.

Entretanto, no Brasil, o domínio público não significa total liberdade. A legislação brasileira preserva alguns direitos do autor mesmo após a entrada no domínio público, a saber, os direitos à autoria e à integridade da obra. O direito à autoria determina que seja dado o devido crédito, enquanto o direito à integridade permite que se oponha a modificações que afetem a reputação e honra do autor. Considerando o contexto do Mickey Mouse, voltado ao público infantil, a análise caso a caso se torna crucial para proteger a integridade da obra.

A legislação autoral dos EUA também reconhece os direitos morais citados acima, mas sua aplicação está restrita a algumas categorias de obras e, mais importante, tais direitos morais expiram com a morte do autor, ao passo que, no Brasil, tais direitos são perpétuos.

É relevante destacar que, embora versões originais de Mickey e Minnie Mouse de 1928 estejam livres para exploração econômica, esses personagens como marca registrada permanecem de propriedade da Disney tanto no Brasil como nos EUA. Assim, o uso desses personagens como parte integrante da marca de terceiros não está liberado e precauções devem ser tomadas para evitar confusão ou associação indevida.

Uma mesma obra pode ser protegida por direito autoral e como marca, se exercer também função de marca, de distinguir produtos e serviços de uma mesma categoria. O Mickey do “O Vapor Willie” está em domínio público, o que significa, em princípio, que um escritor poderia, por exemplo, escrever uma história usando esse personagem e vender sem pedir autorização à Disney. Mas não poderia, por outro lado, abrir uma loja de roupas e usar aquele Mickey como marca, porque a Disney ainda detém direitos marcários.

Mickey não é o único personagem clássico a entrar em domínio público recentemente. O Ursinho Pooh passou pelo mesmo processo no ano passado, tendo em vista que a exclusividade sobre esse personagem expirou em 2022, permitindo interpretações mais criativas, como o filme de terror de 2023, Winnie the Pooh: Blood and Honey.

Em suma, o ingresso no domínio público oferece liberdades de uso à sociedade, mas é imperativo atentar para direitos remanescentes, não apenas de natureza econômica (e.g., marcas e desenhos industriais), mas também os próprios direitos morais de autor à autoria e integridade. O caso do Mickey Mouse destaca a importância de equilibrar inovação e preservação nos sistemas de direitos autorais ao redor do mundo.

 

Artigo publicado no Monitor Mercantil.

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