A importância dos “fair patterns” sobre “dark patterns” na proteção de dados e transparência digital. Por Maraísa Cezarino.
Dark patterns ou “padrões obscuros” são configurações que levam os usuários de sites e aplicativos a tomar decisões que normalmente não fariam e/ou que podem até gerar danos para eles. Esse termo é legalmente definido, na União Europeia, pela Lei dos Serviços Digitais, como interfaces que “induzem em erro, manipulam, prejudicam ou limitam substancialmente a capacidade dos utilizadores para tomarem decisões livres e informadas”, devido à sua “concepção, organização ou modo de funcionamento”.
Tratam-se de configurações que privilegiam o interesse do arquiteto da interface em detrimento do usuário, minando a “autodeterminação informacional” de seus interlocutores. Por isso, esse tipo de padrão tende a diminuir a possibilidade de os usuários efetivamente exercerem o direito à proteção de dados pessoais. A autodeterminação é um dos fundamentos de muitas Leis de Proteção de Dados Pessoais e representa a possibilidade de compreender efetivamente o que acontece com os dados e controlar minimamente o que acontece com essas informações.
Essas formas de construção de sites e aplicações tendem a violar leis de proteção de dados e até mesmo outras leis, como o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90). É interessante pensar que esse tipo de prática pode ser evitado pela incorporação de padrões de clareza, precisão e justiça no desenvolvimento de interfaces interativas online.
O Guia nº3/2022 do European Data Protection Board (“EDPB”) designa, pelo menos, seis tipos de padrões que devem ser evitados ou ajustados para garantir uma experiência mais justa para o usuário:
- Apresentar uma avalanche de opções, informações e solicitações para induzir as pessoas a compartilharem muitos dados de forma não intencional.
- Criar uma interface que faz os usuários se esquecerem ou sequer pensarem em aspectos de proteção de dados pessoais.
- Apelar para emoções dos usuários utilizando estímulos visuais.
- Dificultar opções de bloqueio da coleta de dados ou de controlar as formas de uso de seus dados, tornando essa ação difícil ou até impossível.
- Tornar a interface pouco clara, dificultando a navegação dos usuários por ferramentas de exercício de direitos ou dificultar a compreensão da finalidade de uso dos dados.
- Deixar o usuário no escuro, ocultando informações sobre as formas que eles têm de controlar os seus dados pessoais ou deixá-los inseguros sobre como eles serão utilizados.
O desafio que se coloca, especialmente em relação às áreas de marketing dentro das organizações, é o de criar uma interface amigável sem diminuir a coleta de dados considerados essenciais por elas. Nesse momento, é importante lembrar que o oposto aos “dark patterns” são os “Fair patterns” (“padrões justos”), que são escolhas de arquitetura capazes de empoderar o usuário, de forma que faça escolhas informadas sobre os seus dados pessoais.
Marie Potel-Saville, especialista no assunto, apresenta um questionamento interessante: as leis de proteção de dados pessoais não obrigam os agentes de tratamento a apresentarem um aviso de privacidade em formato de texto, então por que não apresentar esse aviso em formatos alternativos como vídeos, quadrinhos, e com mais elementos visuais?
Especialmente quando se trata da coleta e tratamento de dados de crianças e adolescentes, não se pode supor que uma interface com muito texto será capaz de dar efetividade ao princípio da transparência sobre o tratamento de dados. Aliás, a própria LGPD, no §6, indica que a comunicação com esse tipo de titular de dados deve estar de acordo com suas capacidades cognitivas.
Nada impede que o uso de linguagem simples e elementos visuais seja utilizado nas interfaces em geral e não só com crianças e adolescentes. Embora isso não seja uma obrigação, é possível notar quando a organização realmente busca dar efetividade à transparência e não somente cumprir a lei. Especialmente num país como o Brasil, no qual os índices de alfabetização deixam a desejar, adotar uma linguagem simples e recheada de mecanismos visuais é essencial para dar efetividade ao princípio da transparência.
Assim, a troca dos dark patterns pelos fair patterns representa mais do que a preocupação com a transparência, mas a implementação de um olhar voltado para a efetivação do direito à proteção de dados pessoais desde o início da concepção de produtos e interfaces. Para as autoridades, isso tende a indicar uma preocupação com a conformidade com a LGPD, que ultrapassa o simples cumprimento da lei, já que é um processo que demanda mudança de cultura em áreas como o desenvolvimento, o design e o marketing. Para o usuário, trata-se de um gesto de respeito e cuidado, que reforça a relação de confiança com a empresa.
Maraísa Cezarino é Sócia da Daniel Advogados.