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Padrões justos x padrões obscuros em prol da autodeterminação informacional

por , | 07/03/2024 | Artigos, Proteção de dados

A importância dos “fair patterns” sobre “dark patterns” na proteção de dados e transparência digital. Por Maraísa Cezarino.

Dark patterns ou “padrões obscuros” são configurações que levam os usuários de sites e aplicativos a tomar decisões que normalmente não fariam e/ou que podem até gerar danos para eles. Esse termo é legalmente definido, na União Europeia, pela Lei dos Serviços Digitais, como interfaces que “induzem em erro, manipulam, prejudicam ou limitam substancialmente a capacidade dos utilizadores para tomarem decisões livres e informadas”, devido à sua “concepção, organização ou modo de funcionamento”.

Tratam-se de configurações que privilegiam o interesse do arquiteto da interface em detrimento do usuário, minando a “autodeterminação informacional” de seus interlocutores. Por isso, esse tipo de padrão tende a diminuir a possibilidade de os usuários efetivamente exercerem o direito à proteção de dados pessoais. A autodeterminação é um dos fundamentos de muitas Leis de Proteção de Dados Pessoais e representa a possibilidade de compreender efetivamente o que acontece com os dados e controlar minimamente o que acontece com essas informações.

Essas formas de construção de sites e aplicações tendem a violar leis de proteção de dados e até mesmo outras leis, como o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90). É interessante pensar que esse tipo de prática pode ser evitado pela incorporação de padrões de clareza, precisão e justiça no desenvolvimento de interfaces interativas online.

O Guia nº3/2022 do European Data Protection Board (“EDPB”) designa, pelo menos, seis tipos de padrões que devem ser evitados ou ajustados para garantir uma experiência mais justa para o usuário:

  1. Apresentar uma avalanche de opções, informações e solicitações para induzir as pessoas a compartilharem muitos dados de forma não intencional.
  2. Criar uma interface que faz os usuários se esquecerem ou sequer pensarem em aspectos de proteção de dados pessoais.
  3. Apelar para emoções dos usuários utilizando estímulos visuais.
  4. Dificultar opções de bloqueio da coleta de dados ou de controlar as formas de uso de seus dados, tornando essa ação difícil ou até impossível.
  5. Tornar a interface pouco clara, dificultando a navegação dos usuários por ferramentas de exercício de direitos ou dificultar a compreensão da finalidade de uso dos dados.
  6. Deixar o usuário no escuro, ocultando informações sobre as formas que eles têm de controlar os seus dados pessoais ou deixá-los inseguros sobre como eles serão utilizados.

O desafio que se coloca, especialmente em relação às áreas de marketing dentro das organizações, é o de criar uma interface amigável sem diminuir a coleta de dados considerados essenciais por elas. Nesse momento, é importante lembrar que o oposto aos “dark patterns” são os “Fair patterns” (“padrões justos”), que são escolhas de arquitetura capazes de empoderar o usuário, de forma que faça escolhas informadas sobre os seus dados pessoais.

Marie Potel-Saville, especialista no assunto, apresenta um questionamento interessante: as leis de proteção de dados pessoais não obrigam os agentes de tratamento a apresentarem um aviso de privacidade em formato de texto, então por que não apresentar esse aviso em formatos alternativos como vídeos, quadrinhos, e com mais elementos visuais?

Especialmente quando se trata da coleta e tratamento de dados de crianças e adolescentes, não se pode supor que uma interface com muito texto será capaz de dar efetividade ao princípio da transparência sobre o tratamento de dados. Aliás, a própria LGPD, no §6, indica que a comunicação com esse tipo de titular de dados deve estar de acordo com suas capacidades cognitivas.

Nada impede que o uso de linguagem simples e elementos visuais seja utilizado nas interfaces em geral e não só com crianças e adolescentes. Embora isso não seja uma obrigação, é possível notar quando a organização realmente busca dar efetividade à transparência e não somente cumprir a lei. Especialmente num país como o Brasil, no qual os índices de alfabetização deixam a desejar, adotar uma linguagem simples e recheada de mecanismos visuais é essencial para dar efetividade ao princípio da transparência.

Assim, a troca dos dark patterns pelos fair patterns representa mais do que a preocupação com a transparência, mas a implementação de um olhar voltado para a efetivação do direito à proteção de dados pessoais desde o início da concepção de produtos e interfaces. Para as autoridades, isso tende a indicar uma preocupação com a conformidade com a LGPD, que ultrapassa o simples cumprimento da lei, já que é um processo que demanda mudança de cultura em áreas como o desenvolvimento, o design e o marketing. Para o usuário, trata-se de um gesto de respeito e cuidado, que reforça a relação de confiança com a empresa.

Maraísa Cezarino é Sócia da Daniel Advogados.

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