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MP das redes sociais: um ‘moonwalk’ à brasileira

por | 17/09/2021 | Artigos, Digital

Inicialmente lançado em maio de 1983 por ninguém menos que Michael Jackson, o moonwalk ganhou as pistas de dança e as atenções do mundo inteiro. Fingindo caminhar para frente, o cantor e dançarino recebeu destaque ao se locomover para trás. Movimento análogo fez o Poder Executivo no início dessa semana, ao editar a Medida Provisória 1.068/2021, que, recentemente, por uma decisão do Senado, foi devolvida diante das inconsistências e dos possíveis efeitos geradores de insegurança jurídica ao país.

Com o objetivo de alterar as regras do Marco Civil da Internet, a MP queria fazer valer determinação que impediria as redes sociais de se autorregularem. Ou seja, em substituição à livre iniciativa e à aplicação das regras de conduta previstas pelas próprias empresas responsáveis pelas redes sociais, , a Medida Provisória, que não guardava nenhuma urgência e relevância, critérios fundantes para sua existência, determinava que, sob a ótica da moderação de conteúdo, as Redes Sociais somente poderiam remover materiais classificados como “justa causa”.

Mais do que os pontos considerados dentro do conceito de “justa causa”, constantes na MP devolvida, a ausência da inclusão da desinformação era gritante. Em outros termos, de acordo com o texto da Medida Provisória barrada no Senado, as Plataformas não poderiam remover conteúdos que propalassem informações falsas, ainda que legalmente previstas em suas regras de conduta.

Sabe-se, ainda, que a desinformação é um dos grandes desafios atuais, na medida em que os usuários acessam conteúdos veiculados nas redes com velocidade muito superior à rapidez com que os provedores e o Poder Judiciário conseguem moderar eficazmente o que é divulgado em suas plataformas. Até porque, já não é novidade que a maioria dos usuários consome notícias por meio de Redes Sociais, ao invés de portais oficiais dos veículos de mídia.

É diante desse desafio que juristas do mundo inteiro têm tentado identificar os melhores caminhos para o combate à desinformação. Uma das melhores vertentes, até o momento, é o sistema da Autorregulação Regulada, que prevê, em poucas palavras, a possibilidade de regulação estatal sobre como as plataformas podem se autorregular, com necessidade de comprovação pública e efetiva dos resultados deste processo. Ou seja, seriam diretrizes sobre quais conteúdos poderiam ser rejeitados via Termos de Uso.

Na contramão, vinha (ou virá?) o Brasil: sob a ilusão de caminhar para frente, o Executivo editou a MP invalidada no Senado, que unilateralmente subjugava diversos artigos do Marco Civil da Internet (que, lembre-se, passou por uma ampla fase de consulta pública e participação da sociedade civil), e impedia a autorregulação das Redes Sociais. Em outras palavras, apesar de aparentar caminhar para frente, o Brasil, em verdade, retrocedia – e esperamos não retroceder mais – no campo do combate à desinformação e dificultava a garantia de conteúdo saudável e verídico nas plataformas, em detrimento a um suposto direito à veiculação de versões duvidosas – para dizer o mínimo – dos fatos.

Os efeitos dessa MP, portanto, poderiam ser desastrosos: se hoje já existe uma notória poluição com conteúdos inverídicos e não checados, não parece que dificultar o combate seja a melhor alternativa, haja vista a possível proliferação de conteúdos falsos e até mesmo a criação de um ambiente menos seguro para empresas interessadas neste modelo de negócio, que podem até optar pela saída do nosso país.

 

Artigo publicado no Estadão.

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