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5 perguntas para a Nuria López, sócia da Daniel Advogados, sobre a chamada “lei do cyberbullying”

por | 23/01/2024 | Artigos, Tecnologia

A Lei 14.811/2024, foi sancionada na última segunda-feira (15), e incluiu os crimes de bullying e cyberbullying no Código Penal.

E claro que imediatamente após a publicação surgiram diversas dúvidas sobre a aplicação da nova lei.

Para entender mais como ela impacta as nossas vidas, seja nos jogos digitais ou nas redes sociais, eu conversei com uma das principais especialistas em direito digital do país. A Nuria López é sócia do escritório Daniel Advogados. Ela é Doutora em filosofia do direito pela PUC-SP, Mestre em filosofia do direito pela PUC-SP, Advogada em tecnologia, privacidade e proteção de Dados, Professora em cursos de pós-graduação, pesquisadora e autora de publicações em sociedade da informação, inteligência artificial e proteção de dados.
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5 perguntas sobre a Lei 14.811/2024 para Nuria López.
Nuria López é sócia da Daniel Advogados e uma das principais especialistas em direito digital no país / crédito: divulgação – reprodução internet.

1 – Nuria, no mundo dos games em jogos on-line, infelizmente em alguns contextos, é muito comum os jogadores ficarem trocando ofensas e provocações. Esse tipo de prática agora pode ser impactada pela nova lei do cyberbullying?
O ponto chave aqui é o contexto: as provocações, os xingamentos, que são habituais dos ambientes competitivos, desportivos, incluindo os jogos on-line, não necessariamente caracterizam o cyberbullying, que ultrapassa esses limites sociais. O cyberbullying é uma intimidação sistemática, intencional, repetitiva, sem motivação evidente por meio de intimidação, humilhação, discriminação.

O cyberbullying é uma intimidação sistemática, intencional, repetitiva, sem motivação evidente por meio de intimidação, humilhação, discriminação.

Para compreender se existe cyberbullying nos jogos on-line, será preciso avaliar todo o contexto para verificar se esses requisitos da lei estão previstos. Ou seja, a lei não tem como objetivo punir a animosidade natural da competição, mas sim proteger crianças e adolescentes dessa intimidação sistemática, que tem consequências graves para a saúde física e mental das vítimas.

2 – Eu sei que é uma lei bem nova e que agora dependerá muito do uso, mas em alguma instância, se a pessoa hoje sentir que está sendo vítima de cyberbullying durante uma partida de jogos ou até mesmo em redes sociais, como ela pode comprovar a prática como “sistemática, intencional, repetitiva”?
O primeiro passo é reconhecer que essa prática está ocorrendo com a criança ou o adolescente em jogos e/ou em redes sociais. Para isso, o diálogo com eles é fundamental, para que eles sintam que estão em um espaço seguro para compartilhar quaisquer problemas pelos quais estejam passando. A partir desse reconhecimento, é importante coletar e preservar evidências desses atos de intimidação, que podem ser individuais ou coletivos. A dimensão do digital é muito propícia para reações “em enxame”, em que se adere com facilidade a comportamentos, incluindo comportamentos violentos. Por isso, é importante coletar o máximo de evidência possível dessas ações, ainda que elas sejam numerosas. Essas evidências podem ser um “print” em um primeiro momento, mas devem ser preservadas com mais segurança, por exemplo, em cartório, por meio de ata notarial, ou por meio de plataformas de blockchain, que também garantem um ótimo nível de segurança. A preservação de provas é importante para que não se perca o conteúdo online, que muitas vezes pode ser deletado ou editado. São essas as provas consideradas no Judiciário.

3 – As plataformas também podem ser corresponsáveis pela prática do cyberbullying?
Durante o processo penal, caso o juiz verifique que no contexto houve ato ilícito (cyberbullying e/ou outro crime), ele poderá determinar à plataforma que retire o conteúdo online. A plataforma é responsável por cumprir a determinação do juiz nesse caso. A nossa legislação limita a responsabilidade das plataformas nesse ponto para prestigiar a liberdade de expressão dos usuários, que apenas sofre interferência em último caso, quando há ilícito e por ordem judicial.

4 – No caso de menores que praticam cyberbullying com outros menores, como a justiça deve ver esses casos?
É bastante comum que o cyberbullying seja praticado por outras crianças e adolescentes, o que reforça a importância de um acompanhamento próximo dos responsáveis, com diálogo aberto sobre as consequências graves que essa prática causa nas vítimas. Quando crianças e adolescentes falham ao cometer um ilícito, significa que todo um sistema de cuidado, de responsáveis legais a escola e Estado, falhou também.

Quando crianças e adolescentes falham ao cometer um ilícito, significa que todo um sistema de cuidado, de responsáveis legais a escola e Estado, falhou também.

Exatamente por essa compreensão, a legislação brasileira considera que crianças e adolescentes não cometem crimes, mas “atos infracionais equiparados a crime” e não cumprem pena, mas “medidas socioeducativas”. Na prática, significa que os responsáveis legais serão chamados à delegacia e à juízo e a criança e o adolescente em questão poderá ser “condenado” a uma medida que tem como objetivo não puni-lo, mas educá-lo sobre o ilícito. Vale dizer também que além da esfera penal, há também a esfera cível, na qual as vítimas podem cobrar indenizações pelas consequências patrimoniais e principalmente, psicológicas, sofridas. Ou seja, os pais da criança ou do adolescente que comete cyberbullying podem ser condenados na esfera cível a pagar essas indenizações.

5 – Outra prática que tem sido muito comum nas redes sociais é o “cancelamento”. Recentemente tivemos o caso da jovem Jéssica Canedo, de 22 anos, que tirou a própria vida após ser vítima de notícias falsas, e por conta disso, ter recebido diversas mensagens negativas de diversas pessoas, que podem ter levado à piora do seu quadro de depressão. Essa prática do “linchamento virtual”, pode ter agora um outro olhar da justiça? Como responsabilizar quando o cyberbullying é originado de grupos e não somente de uma determinada pessoa?
Com certeza. O cancelamento pode ser feito por uma omissão, por exemplo, deixando de seguir alguém nas redes sociais, ou por uma ação, como você bem apontou, enviando mensagens negativas, intimidadoras, humilhantes ou discriminatórias, que pode chegar a consequências trágicas. O linchamento virtual, como tudo no online, deixa rastros e por isso, é mais fácil obter provas e eventuais condenações nesses casos do que em linchamentos que ocorrem offline. Ainda que as pessoas tenham a impressão de anonimato e de impunidade, é sempre possível identificar os autores de comentários e de ações online. Mesmo em casos de uso de ferramentas como VPN ou proxy, investigações forenses conseguem chegar à identificação do dispositivo utilizado nessas ações e, com pedidos de quebra de sigilo, que são bem comuns na área, chega-se aos autores. É importante ressaltar que o cyberbullying coletivo não precisa ser “combinado” ou “orquestrado”, até porque a configuração de “massa” no digital se dá por meio de adesões individuais e voláteis, em “enxame”. Assim, deve-se coletar evidências de caso a caso e buscar pela responsabilização individual de cada um.

 

Matéria publicada no portal Bits & Geeks.

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