{"id":140881,"date":"2018-05-08T15:58:55","date_gmt":"2018-05-08T18:58:55","guid":{"rendered":"https:\/\/www.daniel-ip.com\/uncategorized-pt\/hoje-e-de-dia-de-rock-bebe\/"},"modified":"2022-07-01T18:45:10","modified_gmt":"2022-07-01T21:45:10","slug":"hoje-e-de-dia-de-rock-bebe","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.daniel-ip.com\/pt\/artigos\/hoje-e-de-dia-de-rock-bebe\/","title":{"rendered":"Hoje \u00e9 de dia de rock, beb\u00ea!"},"content":{"rendered":"
No come\u00e7o de junho de 2017, o baixista Gene Simmons, da banda norte-americana Kiss, surpreendeu o mundo da m\u00fasica ao depositar um pedido de registro de marca para o famoso gesto do rock (\u201cdevil\u2019s horns\u201d) no Escrit\u00f3rio de Marcas e Patentes dos Estados Unidos (USPTO, pedido no. 87482739). Segundo Simmons, ele teria sido o primeiro astro do rock a fazer o gesto, em novembro de 1974. Se concedido, o registro garantiria ao m\u00fasico exclusividade para usar o gesto em performances musicais.<\/p>\n
Ap\u00f3s as pol\u00eamicas imediata e naturalmente geradas pelo pedido de registro, Gene Simmons abandonou-o cerca de dez dias ap\u00f3s o dep\u00f3sito, n\u00e3o sem antes ter auferido incomensur\u00e1vel publicidade gratuita por sua inusitada iniciativa.<\/p>\n
Marcas s\u00e3o sinais distintivos que se prestam a distinguir um produto ou servi\u00e7o de seus pares no mercado. Meramente a partir dessa defini\u00e7\u00e3o, j\u00e1 adviria um dos primeiros desafios ao pedido de registro de Gene Simmons: o gesto indicaria a origem de algum produto ou servi\u00e7o, particularizando-o face aos demais? Ademais, outro ponto que o m\u00fasico teria que superar para obter o registro seria a natural alega\u00e7\u00e3o de que se trata de gesto gen\u00e9rico e de uso j\u00e1 difundido pelo p\u00fablico no ramo de neg\u00f3cio em que se pretendia a prote\u00e7\u00e3o do sinal como marca. N\u00e3o obstante, independentemente do m\u00e9rito da pretens\u00e3o do c\u00e9lebre linguarudo, o caso enseja discutir brevemente o t\u00f3pico das chamadas \u201cmarcas n\u00e3o-tradicionais\u201d.<\/p>\n
Tradicionalmente, os sinais distintivos empregados como marca s\u00e3o nominativos (voc\u00e1bulos), figurativos (gravuras) ou mistos, isto \u00e9, uma combina\u00e7\u00e3o entre ambos (escritas estilizadas ou composi\u00e7\u00f5es de nomes e figuras). No entanto, a profus\u00e3o de bens e servi\u00e7os caracter\u00edstica da sociedade industrial propiciou nos idos recentes o surgimento de novas abordagens para a atra\u00e7\u00e3o e a fideliza\u00e7\u00e3o do consumidor nesse ambiente deveras competitivo, de onde advieram propostas inovadoras para assinalar produtos e servi\u00e7os. Assim, deparamo-nos hodiernamente com marcas n\u00e3o-tradicionais, tais como marcas olfativas, sonoras, t\u00e1teis, de posi\u00e7\u00e3o, gestuais e de movimento, tridimensionais e hologr\u00e1ficas.<\/p>\n
No Brasil, a Lei da Propriedade Industrial (Lei no. 9.279 de 1996 \u2013 LPI) estabelece que s\u00e3o suscet\u00edveis de registro como marca os sinais distintivos que forem \u201cvisualmente percept\u00edveis\u201d. Esse requisito preliminar j\u00e1 elimina prematuramente a possibilidade de registro de marcas olfativas, t\u00e1teis e sonoras no Brasil. No entanto, permanece o debate em torno de marcas gestuais e de movimento, tais como o gesto do rock alegadamente de propriedade de Gene Simmons, na medida em que esses sinais s\u00e3o indubitavelmente percept\u00edveis ao sentido da vis\u00e3o.<\/p>\n
Uma vez que a lei \u00e9 silente a respeito e que os procedimentos administrativos do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) n\u00e3o contemplam uma categoria para marcas gestuais ou de movimento, representa\u00e7\u00f5es gr\u00e1ficas do gesto em quest\u00e3o dever\u00e3o ser depositadas perante a autarquia como marcas figurativas e, a depender da licitude e da distintividade da gravura, ter\u00e3o o seu registro concedido pelo INPI. Cumpre, no entanto, indagar qual seria o conte\u00fado do direito conferido pelo INPI ao titular do registro.<\/p>\n
Com efeito, uma interpreta\u00e7\u00e3o severa que se fiasse no fato de que o registro cuida de uma marca figurativa tradicional conduziria \u00e0 conclus\u00e3o insatisfat\u00f3ria de que o objeto da prote\u00e7\u00e3o restringir-se-ia \u00e0quela imagem em si. Evidentemente, n\u00e3o ter\u00e1 sido essa a prote\u00e7\u00e3o buscada pelo titular, cuja inten\u00e7\u00e3o decerto seria auferir exclusividade sobre a realiza\u00e7\u00e3o do gesto ou movimento e n\u00e3o meramente sobre a reprodu\u00e7\u00e3o da imagem na qual ele foi expressado para fins de apresenta\u00e7\u00e3o ao INPI e obten\u00e7\u00e3o do registro.<\/p>\n
Alguns exemplos envolvendo o registro do posicionamento e aposi\u00e7\u00e3o distintiva de cores em objetos ajudam a ilustrar a situa\u00e7\u00e3o. A conhecida companhia de maquin\u00e1rios agr\u00edcolas John Deere, por exemplo, logrou registrar no Brasil diversas marcas figurativas que expressam seu tradicional trade dress nas cores verde e amarela, presentes h\u00e1 d\u00e9cadas nos seus tratores (v. registros n\u00b0. 829.134.492; 829.134.476, v. g.). Evidentemente, a John Deere n\u00e3o objetiva alcan\u00e7ar com esses registros a prote\u00e7\u00e3o dos desenhos de tratores coloridos. Ao rev\u00e9s, a inten\u00e7\u00e3o \u00e9 nitidamente assegurar a exclusividade do uso das cores verde e amarela na decora\u00e7\u00e3o de m\u00e1quinas agr\u00edcolas. Inclusive, no registro de n\u00b0. 811.232.115, o INPI pareceu corroborar essa interpreta\u00e7\u00e3o, porquanto apostilou o registro com os seguintes dizeres: \u201csem direito ao uso exclusivo da figura de \u2018m\u00e1quina para colheita e trilhadeiral\u2019 \u201d.<\/p>\n
Outro exemplo curioso \u00e9 o registro no. 903.462.141 da cervejaria Anheuser-Busch, Inc., no qual consta a marca figurativa de um puxador vermelho de lata de alum\u00ednio. Mais uma vez, cumpre indagar: qual seria o objeto protegido pelo registro? A ilustra\u00e7\u00e3o da base superior de uma lata cil\u00edndrica de cerveja ou o conjunto original e distintivo formado por um abridor na cor vermelha, com formato peculiar arredondado e vazado no contorno de uma coroa (reconhecida por fazer parte da marca mista da cerveja Budweiser)?<\/p>\n
De volta ao campo das marcas gestuais e de movimento, um exemplo peculiar \u00e9 o registro no. 826006248 da Nokia, no qual se encontra a marca figurativa de quatro quadros que representam os frames do tradicional v\u00eddeo de inicializa\u00e7\u00e3o do sistema de celulares da companhia finlandesa. Ora, resta claro que a Nokia objetivava proteger o seu filmete no qual duas m\u00e3os se apertam e n\u00e3o registrar uma matriz de quatro figuras inertes emparelhadas.<\/p>\n
Diante dessa lacuna na sistem\u00e1tica da Propriedade Industrial no Brasil, enquanto n\u00e3o houver uma categoria expressa para as marcas gestuais, de movimento ou de posi\u00e7\u00e3o, o caminho ideal para resolver esse tipo de imprecis\u00e3o seria a previs\u00e3o de que o registro de marca contemplasse um esclarecimento acerca do teor da prote\u00e7\u00e3o efetivamente reivindicada pelo titular e concedida pela autarquia, consignando publicamente esse alcance para a sociedade. Destarte, al\u00e9m de reivindicar uma determinada classe de produtos e servi\u00e7os para o seu sinal distintivo, o titular dessas esp\u00e9cies de marca n\u00e3o-tradicional pleitearia ainda expressamente o escopo de prote\u00e7\u00e3o pretendido, cabendo ao INPI examinar a viabilidade da pretens\u00e3o de acordo com os requisitos legais ordin\u00e1rios. Na aus\u00eancia, entretanto, dessa realidade, caber\u00e1 ao Poder Judici\u00e1rio definir a extens\u00e3o dos direitos conferidos por esses registros na eventualidade de uma disputa judicial.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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