NOTÍCIAS E PUBLICAÇÕES

Novo ano, novas regras: o que muda quanto à remessa de royalties ao exterior e a sistemática de preços de transferência

por , | Jan 6, 2023 | Client Alert, Transações Comerciais

No penúltimo dia do ano de 2022 entrou em vigor o Novo Marco Cambial brasileiro (Lei nº 14.286/2021), atualizando as regras sobre o mercado de câmbio e a prestação de informações ao Banco Central do Brasil – BACEN, dentre outros aspectos. Algumas inovações foram:

  1. a possibilidade de estipulação de pagamento em moeda estrangeira de obrigações exequíveis no território nacional em algumas situações;
  2. a atribuição de responsabilidade aos clientes dos bancos comerciais pela classificação da finalidade da operação no mercado de câmbio;
  3. a possibilidade de compensação privada de créditos1 ou de valores entre residentes e não residentes;
  4. a dispensação da aprovação do BACEN para as remessas de royalties pelo uso de marcas, exploração de patentes e de remuneração devidos por prestação de serviços assistência técnica científica, administrativa e semelhantes, por exemplo (exigindo nesses casos, apenas a prova do pagamento do imposto sobre a renda devido).

Outra novidade legislativa recente foi a publicação, em 29 de dezembro de 2022, da Medida Provisória nº 1.152/2022 (“MP 1.152/2022”), cujo objetivo é alterar a legislação brasileira acerca do Imposto sobre a Renda das Pessoa Jurídicas (“IRPJ”) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”), para dispor sobre as regras de preços de transferência aplicáveis às transações controladas2, ou seja, que envolvam partes relacionadas3.

Visando alinhar a legislação brasileira aos padrões do mercado internacional, notadamente aos princípios e orientações determinados pela OCDE, à qual o Brasil está em processo de ingressar, a MP 1.152/2022 estabelece que, para determinação das condições comerciais de uma transação controlada, as partes deverão seguir o princípio arm’s lenght, que determinaque as condições comerciais de uma transação controlada devem ser definidas com base em termos e condições similares àquelas negociadas entre partes independentes em transações comparáveis.

Essa mudança proporciona uma maior liberdade de negociação às empresas relacionadas, especialmente quando comparamos este modelo às regras de preço de transferência e o teto fixo de royalties, até então vigentes no Brasil4.

Para o contexto da propriedade intelectual no Brasil, a MP 1.152/2022 dispõe expressamente que os termos e condições para as transações controladas que envolvam bens intangíveis deverão seguir as normas ali estabelecidas. Dessa forma, as partes relacionadas terão mais liberdade para negociar as condições comerciais dos contratos envolvendo transferência e o licenciamento de direitos de propriedade intelectual (marcas, patentes, know-how, dentre outros), de acordo com os valores e condições praticados no mercado. Essa mudança está em linha com as medidas adotadas no Novo Marco Cambial e na Lei da Liberdade Econômica5.

Ainda, a MP 1.152/2022 determinou o fim dos limites de dedutibilidade decorrentes do pagamento de royalties pela exploração de marcas e patentes, de assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, através da revogação de diversos dispositivos legais de natureza tributária, que estabeleciam que somente poderiam “ser deduzidas do lucro bruto a soma das quantias devidas a título de ‘royalties’ pela exploração de marcas de indústria e de comércio e patentes de invenção, por assistência técnica, científica, administrativa ou semelhantes até o limite máximo de 5% (cinco por cento) da receita bruta do produto fabricado ou vendido”, de acordo com os percentuais estabelecidos pela Portaria no 436/58 do BACEN, considerando uma classificação ultrapassada quanto ao grau de essencialidade de produtos na indústria brasileira.

Cumpre ressaltar, no entanto, que, nos termos do art. 45 da MP 1.152/2022, não serão dedutíveis, valores de royalties pagos à (i) entidades residentes ou domiciliadas em país ou dependência com tributação favorecida ou que sejam beneficiárias de regime fiscal privilegiado; e (ii) quando a dedução dos valores resultar em dupla não tributação.

A MP 1.152/2022 entrará em vigor a partir 01 de janeiro de 2024. No entanto, desde 1º de janeiro os contribuintes já podem optar por sujeitarem as suas transações comerciais ao novo modelo de determinação de preços de transferência. Não obstante, importante ressaltar que a MP 1.152/2022 deverá ser avaliada e convertida em lei pelo Congresso Nacional no prazo máximo de 120 dias a partir de sua publicação, seguindo o rito previsto no artigo 62 e seguintes da Constituição Federal. Caso contrário, perderá sua eficácia.

Por fim, mas não menos importante, o BACEN emitiu a Resolução 277, de 31 de dezembro de 2022 regulamentando o Novo Marco Cambial. Nesse sentido, determina que os bancos comerciais devem utilizar meios que assegurem que as instruções de pagamento sejam acompanhadas de determinadas informações relativas ao remetente e ao beneficiário dos recursos no exterior.

Sem dúvidas, todos esses movimentos indicam um importante direcionamento de nossa legislação, no sentido de desburocratizar e permitir que as empresas negociem com maior liberdade as condições comerciais aplicáveis às transações, seguindo práticas adotadas no mercado global.

Nosso time está acompanhando o assunto de perto e voltará com maiores informações, tão logo tenhamos novas manifestações e novidades das autoridades competentes.

Estamos à disposição, para aprofundar e fornecer maiores esclarecimentos sobre o assunto.


1 A compensação privada de créditos é a compensação, entre residentes e não residentes no Brasil, sem movimentação cambial, por meio de simples lançamentos contábeis (essa prática era proibida antes do Novo Marco Cambial).

2 O art. 3º da MP 1.152 define transação controlada como qualquer relação comercial ou financeira entre duas ou mais partes relacionadas, estabelecida ou realizada de forma direta ou indireta, incluídos contratos ou arranjos sob qualquer forma e série de transações.

3 O art. 4º da MP 1.152 estabeleceu um critério subjetivo ao considerar que as partes são relacionadas quando no mínimo uma delas estiver sujeita à influência, exercida direta ou indiretamente por outra parte, que possa levar ao estabelecimento de termos e condições em suas transações que divirjam daqueles que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas em transações comparáveis. O art. 4º fornece uma lista exemplificativa de partes consideradas relacionadas, como o controlador e suas controladas, sociedades coligadas, dentre outras hipóteses.

4 A legislação brasileira de preços de transferência até então vigente era sistematizada pela Lei nº 9.430/1996, que não segue boa parte das sugestões da OCDE. Essa lei era muito criticada internacionalmente, pois determina previamente métricas fixas máximas para o cálculo dos preços de transferência (valores mínimos de receita tributável e máximos de despesas dedutíveis), que, não necessariamente, são condizentes com os valores praticados internacionalmente.

5 Em linhas gerais, a Lei da Liberdade Econômica (Lei no13.874/19) trata da proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividades econômicas.

Artigos Relacionados

Assine nossa newsletter

Concordo