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Tutela antecipada em caráter antecedente na propriedade intelectual: “tiro-curto, efetivo e eficiente”!

por | 15/12/2022 | Artigos, Propriedade Intelectual

Desde a promulgação do atual código de processo civil, a doutrina processual sempre “torceu o nariz” para tal medida antecipatória ou “em caráter antecipado” e, mais do que isso, para uma eventual inutilidade prática de sua estabilização.

Há algum tempo venho pensando em (re)escrever sobre o pedido de tutela provisória de urgência em caráter antecedente e sobre a possibilidade de sua estabilização como uma espécie de chamado aos operadores no campo da propriedade intelectual, mas, principalmente, aos jurisdicionados (clientes em sentido lato).

Desde a promulgação do atual código de processo civil, a doutrina processual sempre “torceu o nariz” para tal medida antecipatória ou “em caráter antecipado” e, mais do que isso, para uma eventual inutilidade prática de sua estabilização.

Por outro lado, nós, os operadores do campo da propriedade intelectual, sempre a vimos com bons olhos e aqui destaco a posição de meu querido colega e professor, Rodrigo Gomes de Mendonça, que, antes mesmo da vigência da atual lei processual, já sinalizava, em curso promovido pela ASPI – Associação Paulista da Propriedade Intelectual, a bem-vinda opção da medida e seu eventual efeito – estabilização – para os atos de contrafação a direitos de propriedade intelectual, mais propriamente os atos de falsificação.

Com efeito, a concessão de tutela provisória de urgência em caráter antecedente e seu efeito particular (estabilização) tende a ser (e já vem se mostrando) medida altamente efetiva e, mais do que isso, EFICIENTE para combater e extirpar pontualmente ato ou atos ilícitos pontuais de contrafação e pirataria.

Não por outra razão e procurando sempre estar na vanguarda de implementar medidas e técnicas processuais inovadoras e/ou diferenciadas propostas ou deixadas em aberto pelo legislador nacional, já em 2016 (primeiro ano de vigência do CPC), ao sermos procurados por gigante multinacional da área de tecnologia para cessar incontinente a comercialização de seu principal produto de uma de suas diversas linha de atuação (videogames), oriundos de importação paralela (produtos contrabandeados ao Brasil), propusemos a primeira ação inibitória com pedido de tutela antecipada em caráter antecedente, para cessar o ato ilícito contra alguns comerciantes, em pequeno shopping-center na “mal afamada” rua 25 de março, em São Paulo-Capital.

Sem entrar nos pormenores da petição inicial – mais enxuta e feita a “toque de caixa” diante da “urgência-urgentíssima”, aliás, como prescreve a lei processual (art. 303, caput, do CPC) e como defende autorizada doutrina processual1 – a tutela antecipada foi concedida antes da abertura do contraditório (inaudita altera pars), determinando-se a ordem de abstenção do ilícito e, adicionalmente, medida executiva sub-rogatória de busca e apreensão nas lojas dos produtos comercializados, para que fosse cessada a violação de forma instantânea.2

Após a realização das bem-sucedidas buscas e apreensões dos videogames de origem escusa e as lojas já devidamente intimada/citadas, essas, até pela sua natureza – pessoas físicas ou jurídicas que sabidamente operam à margem da lei e que, assim, já esperam esse tipo de “contratempo” – não contestaram ou apresentaram o recurso cabível contra a decisão antecipatória, levando a sua natural e prevista estabilização (art. 304 do CPC): “Em primeiro lugar, forçoso conhecer da questão atinente à estabilização da tutela antecipada antecedente. No caso ora sob exame, consoante se depreende da leitura dos autos, as autoras utilizaram mecanismo processual idealizado pelo Código de Processo Civil de 2015.”3

Ora, como se denota e em nosso particular, a técnica é – e nasceu para ser – um “TIRO CURTO, EFETIVO E EFICIENTE“, como mencionado no título deste singelo trabalho.

Trata-se, e não canso de insistir, de medida voltada para ser diretíssima e pouco custosa a TODOS, incluindo o sempre “combalido” Poder Judiciário!

A Autora, in casu (repisa-se, gigante da área de tecnologia) não tem – e nem deveria ter – interesse em prosseguir com o litígio para pleitear eventual compensação/indenização por produtos que foram comercializados por essas pequenas e até irregulares lojas na rua 25 de Março de São Paulo.

Com efeito, seguir com o processo aberto para perseguir com um capítulo adicional indenizatório seria uma total perda de tempo e recursos para Autora e para o Estado. Seria seguir empregando a máquina do Judiciário, com dispêndio de honorários advocatícios e custas/taxas, para se chegar, ao final, ao reconhecimento de um direto compensatório (material e moral), até porque in re ipsa conforme já definiu o STJ, mas que fatalmente só ficará “bonito” no papel (sentença)!

Muito provavelmente, para não expor certamente, esse direito reconhecido em sentença – e aqui lembra-se: após toda a marcha processual cognitiva – não será satisfeito ou inteiramente satisfeito, sendo que a parte autora, não só no caso comentado, mas em diversos outros, acabaria por dispender mais recursos com honorários do que efetivamente receberá e, repisa-se, SE É QUE RECEBERÁ!!!

Não é segredo que os processos de execução de pagar quantia são o grande “gargalo do Judiciário” e nos conflitos indenizatórios no campo da propriedade intelectual não é diferente, aliás, muito pelo contrário, diga-se de passagem.

Sim, pode-se eventualmente se estar em “briga de cachorro grande”, envolvendo empresas solventes e com recursos e, assim, capazes financeiramente de arcar com condenações indenizatórias.

Mas, na grande maioria, não é o caso. Basta checar a Jurisprudência. A grande maioria dos conflitos está mais para “Davi e Golias”, ou não está?

Então, para que alimentar esperanças em clientes sobre a viabilidade de se realizar pleitos indenizatórios em ações contra pequenas e/ou irregulares empresas ou mesmo contra pessoas físicas, com pouco ou nenhum patrimônio (notadamente insolventes), para que se obtenha, ao fim e ao cabo, apenas um papel ou decisão de que, sim, aquela pessoa-infratora lhe deve?

Aliás, nosso papel como advogados – consels, counselors ou conselheiros, na acepção das palavras – deveria ser o oposto, i.e., de desencorajar nossos clientes a seguirem com pedidos indenizatórios nessas situações (brigas entre “Davi e Golias”), sendo premente, sim, resolver as crises de violação ou adimplemento às propriedades intelectuais expostas e não se almejar receber algo do pobre e fraco “Golias”, após todo um tormentoso processo, incluindo complexas fases de liquidação e execução.

Ou, não é assim para você que já atuou ou geriu processos e carteiras com ações de infração no campo da propriedade intelectual?

Ah sim, porque não nos esqueçamos que, após o atingimento desse “papel bonitão” de reconhecimento de dívida pecuniária – a tão “bela” sentença de mérito criando obrigação de pagar quantia – a parte vitoriosa, ao menos para indenização material (lucros cessantes e danos emergentes), deverá iniciar uma longa e custosa fase de liquidação de sentença, possivelmente com perícia  contábil, sendo que, se houver revelia, esse valor ainda poderá acabar sendo antecipado por ela (autora) ou levará meses até a determinação para o pagamento pelo Fundo Especial de Custeio de Perícias. Com o perdão da redundância provocativa, mas necessária: Ou, não é assim?

Ora, é de notório saber que jurisprudência pátria patina e está longe de ser uníssona a respeito dos critérios de quantificação dos lucros cessantes, claro, não aqueles previstos no art. 210 da Lei da Propriedade Industrial 9.279/96, mas após essa a escolha deles, como, por exemplo, qual deve ser o valor de referência: A receita obtida pelos produtos contrafeitos? O lucro? Mas qual, o bruto ou líquido? E, após isso, qual percentual? Uma simples busca nos Tribunais de Justiça nacionais revelará uma Jurisprudência completamente na contramão do que determina o art. 926 do CPC, ou seja, posições absolutamente instáveis, variantes e incoerentes nesse sentir.

Ora, senhores e senhoras advogados(as) e demais operadores(as) e leitores(as),  está clara a ineficiência e inefetividade em seguir laborando para clientes nesse tipo de situação, lembrando que, não por acaso, o art. 8º do CPC fez questão de deixar claro que o princípio da eficiência também se aplica ao Poder Judiciário e não apenas a chamada Administração Pública!

A mim, é mais do que evidente!

Veja-se o que se propõe aqui é uma leitura de uma técnica focada e célere para obter uma injunction4, própria dos norte-americanos e não por outra razão, lá (EUA) essas obrigações – fazer / não fazer (as specifc performances) – possuem julgamento pelo(s) magistrado(s) e não pelo Tribunal do Júri.

Aliás, um importante aviso às pessoas físicas e jurídicas estrangeiras, sobretudo às norte-americanas e inglesas – no Brasil não temos a figura do “burden of losing party” ou a obrigação de a parte sucumbente compensar os custos processuais, incluindo honorários contratuais da parte vencedora – o que é comum em algumas ações nos Estados Unidos da América, especialmente em ações contratuais.

Aqui, no máximo, a parte sucumbente compensa à exitosa pelos custos – taxas e despesas – especificamente com o processo, geralmente baixos, sobretudo se não houver perícia.

No Brasil, os honorários contratuais pagos pela parte vitoriosa não são passiveis de compensação, o que é mais um motivo aos norte-americanos e ingleses se voltarem mesmo às tutelas específicas (specific performances) em terras tupiniquins, para obter a cessação da ameaça, prática, repetição ou continuidade de uma violação5 à propriedade intelectual.

Daí, volta-se a insistir, novamente com perdão da redundância, mas é para ser “TIRO-CURTO”!

Eu peço escusas, mas não é à toa. A insistência é porque é raro ver petições iniciais para atingirem tutelas específicas em violações a direitos de propriedade intelectual, mesmo em sede de antecipação de tutela, e mesmo em caráter antecedente, que não contenham um pedido cumulado indenizatório, ainda que disfarçado ou “jogado”. Mais raro ainda são essas tutelas não estabilizarem pelo fato de a Ré contestar, justamente pelo receio de ter de pagar quantia futura, e a demanda se prolongar.  Repito, e sem medo de errar, raro!!!

Pode-se atribuir isso a: ganância do ser humano e, mais ainda do(a) advogado(a), a sua falta de conhecimento para uma mais estratégia mais eficiente ou mais econômica ou, ainda; a falta de tato ou zelo em pensar não o que é melhor a ele/ela (advogado(a)), mas sim a seu/sua cliente, afinal quanto mais tempo mais honorário.

No entanto, fato é que não é e não deve ser assim, senhores e senhoras. Quanto mais você se mostrar efetivo e EFICIENTE ao seu/sua cliente e não o(a) levar a demandas improdutivas, que se arrastam por anos e fadadas a um “buraco-negro”, mais budget ele/ela terá e, pode estar certo(a) mais casos passará a você.

É claro, o advogado(a) deve ficar em um dilema porque o art. 303 do CPC dispõe que: “Nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final…” (grifamos).

Ora, se devo indicar um pedido final, melhor que indique, em prol de meu/minha cliente, desde logo, um pedido indenizatório, pensaria o(a) mais cauteloso(a), ganancioso(a), beligerante e/ou incauto advogado(a).

No entanto, mantendo-me fiel ao que defendo aqui, repito que o “TIRO” deve ser “CURTO”, “CERTEIRO” e “ÚNICO”, ao menos pensando-se na medida mais EFICIENTE.

Meu colega e competente debatedor Guilherme Takeishi, assim como meu sócio Paulo Armando, em breves e instrutivos debates que já tivemos, defendem que a obrigação do(a) autor(a) no caso (art. 303 do CPC) seria meramente de indicar pedido ou pedidos e não pedir propriamente.

Respeitosamente, como é de meu feitio, e compreendendo a posição dos caríssimos colegas, discordo. Creio, até pela sistemática do código e da forma como criada a figura da tutela antecipada em caráter antecedente, que indicar o pedido aqui já seria pedir e penso, ainda, conforme a exatidão do dispositivo (redação do art. 303, caput, do CPC), que a indicação do pedido final, seria estritamente àquele que se requer em caráter antecipado e não outro em cumulação para ser julgado apenas ao final da marcha processual (sentença).

Afinal, é o que consta do dispositivo legal transcrito acima (art. 303), assim como da própria exposição de motivos da lei processual maior: “Não tendo havido resistência à liminar concedida, o juiz, depois da efetivação da medida, extinguirá o processo, conservando-se a eficácia da medida concedida, sem que a situação fique protegida pela coisa julgada. Impugnada a medida, o pedido principal deve ser apresentado nos mesmos autos em que tiver sido formulado o pedido de urgência.”6 (grifamos)

A mesma conclusão se chega ante uma análise sob a ótica do princípio dispositivo (art. 2º do CPC) e uma interpretação conjunta dos arts. 9º, 141, 322, 327 e, principalmente, 329, I, do CPC. Afinal, se parte ré poderá ser citada/intimada para responder ao processo antes do aditamento – aliás, é recomendado que assim o seja, nos termos da eficiência processual e seguindo posição da melhor doutrina e do próprio STJ7 – ela (ré) deve saber, de antemão e em prol do contraditório, de qual ou quais pedidos terá que se defender. Ou não? Da mesma forma, não nos parece seja possível ao(à) autor(a), uma vez citada a parte ré, aditar um pedido indicado, sem o consentimento dessa última. Ou, não é assim, na exatidão que reza o art. 329, I, do CPC8?

De todo modo, essa é uma discussão absolutamente secundária ao tema aqui proposto (defesa de “TIRO CURTO, EFETIVO E EFICIENTE), já que, ainda que o(a) autor(a) realize ou “indique” um pedido adicional indenizatório, pelas mesmas razões supra (brigas “Davi vs. Golias”), seguir com um processo pendente, apenas por conta desse capítulo indenizatório, com toda franqueza, seria uma insensatez e um “tapa na cara” na atualmente prevista eficiência processual, outrora traduzida como economia processual.

Melhor que, ainda que “indicado” o pleito cumulado indenizatório, que dele se desista, na hipótese contumácia, até porque, a rigor, se não houve contestação, aplica-se, com efeito, o texto o art. 485, §4º, do CPC.

Nessa senda, e para encerrar, pois minha proposta já era um texto de 3-4 páginas e já me excedi páginas atrás, vale destacar que, após esse primeiro caso narrado ainda em 2016, diversos outros tratados pelo escritório, em que se almejou a tutela antecipada em caráter antecedente, apenas para busca da chamada tutela específica da obrigação (não-fazer) ou a specifc performance, houve a extinção dos processos seja pela natural estabilização ou, ainda, com  proposta pelas partes contrária, algumas, pasme-se, até envolvendo compensação financeira, ainda que baixa, obviamente, até pelo tamanhos das pessoas acionadas (“Golias”).

Aliás, um recado muito cá entre nós a você jurisdicionado: Em ocorrendo a busca pelo non-facere (cessação da prática delituosa) em sede antecedente, os custos, uma vez estabelecida a contumácia da parte ré, incluindo os honorários para atuação de seu advogado(a), devem, a rigor, também cessar, já que muito cá entre nós, e deixe-me falar bem baixinho: atuação mesmo do glorioso “attorney-at-law” não haverá!

Como afirmado e repisado, senhoras e senhoras, é para ser: “TIRO-CURTO, EFETIVO e EFICIENTE“, tiro, naturalmente, SEMPRE no sentido metafórico! Sem mais.

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1  “A admissão desta técnica de tutela pressupõe uma situação de urgência incompatível com a demora inerente à elaboração da petição inicial da ação.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela da evidência.  3ª Edição. São Paulo: Thomson Reuters, 2019, p. 220) (grifamos).

2  Processo nº. 1125754-67.2016.8.26.0100 (Tribunal de Justiça de São Paulo).

3 Processo nº. 1125754-67.2016.8.26.0100 (Tribunal de Justiça de São Paulo).

4 “Injunction. (processo civil) Injunction é a decisão judicial impondo obrigação de fazer ou de não fazer. Cuidado na tradução: o termo injunction significa “liminar ou medida liminar” apenas se for preliminary injunction. Se for permanent injunction, deve-se traduzir por ordem judicial ou por obrigação de fazer ou não fazer (imposta por decisão judicial).” (Castro, MARCÍLIO MOREIRA. DICIONÁRIO de DIREITO, ECONOMIA e CONTABILIDADE. Português-Inglês e Inglês-Português.  4ª Edição. Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 585).

5  MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. 4ª Edição. São Paulo: RT, 2006, p. 117.

6  Exposição de Motivos do Código de Processo Civil, p. 33 (acesso em https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/512422/001041135.pdf)

7 “12. Os prazos do requerido, para recorrer, e do autor, para aditar a inicial, não são concomitantes, mas subsequentes.

  1. Solução diversa acarretaria vulnerar os princípios da economia processual e da primazia do julgamento de mérito, porquanto poderia resultar na extinção do processo a despeito da eventual ausência de contraposição por parte do adversário do autor, suficiente para solucionar a lide trazida a juízo.” (REsp 1766376 / TO. Ministra NANCY ANDRIGHI da Terceira Turma do STJ. DJe: 28/08/2020.

8 Art. 329. O autor poderá:
I – até a citação, aditar ou alterar o pedido ou a causa de pedir, independentemente de consentimento do réu;
II – até o saneamento do processo, aditar ou alterar o pedido e a causa de pedir, com consentimento do réu, assegurado o contraditório mediante a possibilidade de manifestação deste no prazo mínimo de 15 (quinze) dias, facultado o requerimento de prova suplementar.

 

Artigo publicado no Migalhas.

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