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Projeto que tipifica crime de ‘stalking’ irá para sanção de Bolsonaro

por | 17/03/2021 | Artigos, Digital

A perseguição é definida como aquela praticada por meios físicos ou virtuais que interfere na liberdade e na privacidade da vítima.

No último dia 9, o plenário do Senado aprovou o projeto de lei que tipifica no Código Penal o crime de perseguição, prática também conhecida como “stalking” (PL 1.369/19). O projeto, que obteve 74 votos favoráveis e nenhum contrário – o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, não vota – segue para sanção presidencial.

O texto aprovado é um substitutivo da Câmara dos Deputados, que agravou a punição para o crime. A pena será de seis meses a dois anos de reclusão (prisão que pode ser cumprida em regime fechado) e multa. A perseguição é definida como aquela praticada por meios físicos ou virtuais que interfere na liberdade e na privacidade da vítima.

A autora do projeto, senadora Leila Barros (PSB-DF), defendeu as mudanças da Câmara, que estabeleceram penas mais duras do que a versão original previa. Ela dedicou a aprovação do projeto à radialista sul-matogrossense Verlinda Robles, vítima de um caso “stalking” em 2018 que a levou a mudar de Estado, e à jornalista Jaqueline Naujorks, que levou a história às manchetes.

“Quem já viveu o stalking na vida sabe o que isso significa.”

A versão do Senado previa a pena de seis meses a dois anos, mas na forma de detenção (modalidade de prisão que deve começar a ser cumprida em regime aberto ou semiaberto). Além disso, a punição poderia ser convertida em multa. A Câmara mudou a dosimetria para um a quatro anos, transformou a modalidade em reclusão e tornou a multa cumulativa à pena.

O plenário do Senado decidiu manter a reclusão e a multa, mas divergiu quanto à duração da pena. A preocupação foi levantada pelo senador Jean Paul Prates (PT-RN).

“Podemos criar uma incongruência, aumentando por demais uma pena que acaba ficando desproporcional com crimes de maior gravidade.”

As senadoras Rose de Freitas (MDB-ES) e Zenaide Maia (Pros-RN) defenderam o retorno integral ao texto do Senado, que julgaram adequado. Partiu da líder da bancada feminina, senadora Simone Tebet (MDB-MS), a sugestão de recuperar apenas a pena estabelecida pelo Senado, mantendo o restante da tipificação na forma como definida pela Câmara.

O relator do texto, senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL), destacou a importância da nova tipificação ao citar um dado da OMS – Organização Mundial da Saúde de 2017, que apontava o Brasil como o país com a quinta maior taxa de feminicídios por 100 mil mulheres em todo o mundo. Ainda segundo Rodrigo, 76% dos feminicídios do país são cometidos por pessoas próximas à vítima. Esse número, de 2019, foi corroborado pela CDH – Comissão de Direitos Humanos do Senado.

“Além disso, estamos vivendo um momento de pandemia em que aumentaram os casos de violência contra a mulher dentro da sua residência. Então olhem só a importância de se ter uma normativa sobre isso.”

Mudanças
Além da pena, o substitutivo aprovado traz algumas mudanças em relação ao projeto enviado pelo Senado em agosto de 2019. Os deputados ampliaram os casos de agravamento da pena, que podem levá-la a ser aumentada em até 50%: se o crime for cometido contra criança, adolescente ou idoso; contra mulher por razões da condição de sexo feminino; mediante concurso de duas ou mais pessoas; ou com o emprego de arma. Se houver outro tipo de violência, a pena de perseguição será somada à correspondente ao ato violento. O texto original previa como agravantes a participação de mais de três pessoas, emprego de arma ou violação do direito de expressão da vítima.

O substitutivo revoga ainda o artigo 65 da lei de contravenções penais (decreto-lei 3.688/41), que estabelecia que quem molestar ou perturbar a tranquilidade de alguém estaria sujeito a pena de prisão de 15 dias a dois meses ou multa. O crime de perseguição passa a substituir esse ato na legislação brasileira.

O senador Rodrigo Cunha também fez uma mudança de redação no texto. Tanto a versão do Senado quanto o substitutivo da Câmara usavam o termo “perseguição obsessiva”. O relator removeu o adjetivo. A mudança decorre de sugestão da AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros, segundo a qual a utilização de termos próprios da psicologia na descrição do tipo penal (como “obsessão”) pode levar a imprecisões terminológicas e limitar o alcance da norma aos casos em que for, de fato, verificada a existência da neurose no comportamento do agente.

Opinião
De acordo com o advogado Renato Malafaia, sócio da banca Daniel Advogados, é importante notar que, até então, o art. 65 da lei de contravenções penais já punia a conduta de molestar ou perturbar a tranquilidade de outra pessoa, porém tratava o assunto com bem menos rigor que a nova redação. Segundo o profissional, nos últimos anos, a crescente demanda por redes sociais e outros recursos digitais trouxe uma atenção especial do Congresso à regulamentação e proibição de algumas práticas na internet.

“Isso vem desde o ano de 2012, com o advento da Lei Carolina Dieckmann, porém reparamos que, em alguns casos, o legislador – com a melhor das intenções – tenta definir tão bem a conduta ilícita que acaba limitando demais seu escopo de aplicação, ainda mais considerando a impossibilidade de interpretarmos a lei penal de forma extensiva, ou com a utilização de analogias.”

De acordo com Malafaia, se confirmado na Câmara e sancionado pelo presidente, a perseguição reiterada a outra pessoa somente seria crime se também lhe ameaçar a integridade física ou psicológica; se lhe restringir a capacidade de locomoção; ou se invadir ou perturbar sua liberdade ou privacidade.

“Não basta a mera perseguição reiterada, é necessário que o acusado ainda pratique um destes três atos e, ainda assim, temos algumas questões subjetivas, como o que seria a esfera de liberdade e da privacidade da vítima.”

Pode, segundo o advogado, ter sido essa a motivação da AMB ao sugerir a remoção do termo “perseguição obsessiva” da redação original, considerando que a utilização deste tipo de terminologia também poderia acabar limitando o alcance do tipo penal, já que demandaria, na prática, o ônus para a acusação de comprovar elementos sobre a psicologia do acusado.

O advogado vê como positiva a inclusão do parágrafo primeiro, para prever aumento de pena pela metade se o crime for praticado contra crianças, adolescentes, idosos ou mulheres (por razões da condição do sexo feminino, neste último caso), uma vez que nossa sociedade ainda carece de ferramentas e políticas públicas para a proteção destas pessoas.

“Vale destacar que o Ministério Público não terá legitimidade para processar o acusado, a menos em caso de representação pela vítima. Isso significa que, caso o leitor entenda ser vítima deste crime, ele deverá comunicar o fato às autoridades, como o delegado ou promotor de justiça. Recomenda-se também que essa comunicação seja feita com auxílio de um advogado, para que a vítima tenha o adequado auxílio jurídico.”

 

Matéria publicada no Migalhas. Leia aqui.

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