NOTÍCIAS E PUBLICAÇÕES

Neutralidade da rede, zero-rating e desinformação: discussão a ser reaquecida

por | 26/11/2021 | Artigos, Jurídico

Tão presente na rotina e à disposição em celulares, que, atualmente, são quase como uma extensão das nossas mãos, a internet, sem dúvidas, é uma das principais invenções do século 20. Entre seus diversos usos, principalmente para fins profissionais, educativos e recreativos, a internet também possui papel relevante quando se discute sobre acesso à informação.

Considerando a sua relevância, houve uma movimentação legislativa mundial de forma a garantir a liberdade na rede, bem como a proteção de direitos fundamentais, como é o caso dos direitos envolvendo privacidade e liberdade de expressão. No Brasil, o Marco Civil da Internet cumpriu essa função de forma a positivar — e reforçar — as referidas garantias no país.

Um dos princípios previstos pelo Marco Civil é a neutralidade da rede. Esse princípio prevê que a arquitetura da rede deve tratar o tráfego de dados de forma igualitária. Nesse sentido, os conteúdos devem ser ofertados de forma uniforme, sem que haja privilégio de um conteúdo em detrimento de outro.

A discussão sobre o princípio da neutralidade teve grande protagonismo quando a prática do zero-rating passou a ser realizada por diversas operadoras de celulares do país, uma vez que tal prática permite que os usuários de determinados planos tenham acesso ilimitado principalmente a determinados aplicativos, geralmente envolvendo troca de mensagens e redes sociais, sem que tal acesso seja descontado de seus planos de dados. Na época, a referida discussão chegou até mesmo a ser apreciada pelo Cade, que considerou não haver violação ao princípio da neutralidade.

Tal consideração pode ser fundamentada por regras do próprio Marco Civil, que condiciona o princípio da neutralidade à isonomia no tráfego de dados e prevê liberdade nos modelos de negócio relacionados à internet. Nesse sentido, as operadoras estão livres para realizar acordos comerciais com empresas e, caso um desses acordos implique em distorções concorrenciais ou modifique a arquitetura da rede, é possível a repressão via medidas judiciais e/ou regulatórias.

Embora este seja um posicionamento até então quase que pacífico, é importante analisar as consequências do zero-rating trouxeram principalmente quando falamos sobre desinformação.

As redes sociais e os aplicativos de mensagens se tornaram meios importantes de comunicação e disseminação de informações em ampla escala, expandindo significativamente as possibilidades de exercício da liberdade de expressão. Ocorre que as informações disseminadas podem ou não ser revestidas do devido embasamento fático e, quando uma mentira é popularizada, o resultado pode ser catastrófico: notícias falsas podem viciar opiniões públicas, prejudicando o livre exercício da formação do pensamento e da opinião dos usuários, e colocá-los em risco, como foi observado com a propagação de tratamentos falsos relacionados à Covid-19.

A prática do zero-rating pode agravar o referido problema, pois os usuários, principalmente aqueles de menor poder aquisitivo, ficam restritos às redes sociais e aos aplicativos de mensagens por não desejarem (ou poderem) pagar por pacotes adicionais de dados. Nesse sentido, estes sequer possuem meios para verificar se o conteúdo recebido é verídico e, muitas vezes, por confiarem em seus contatos, acreditam em muito do que recebem.

No entanto, não seria razoável responsabilizar exclusivamente a prática do zero-rating pelo problema da desinformação, uma vez que este possui origens muito mais profundas, delineadas por falhas na educação dos usuários e por pessoas que usam a internet para fins escusos. Ademais, há todo um esforço realizado pelos próprios provedores de aplicação para que seus espaços sejam cada vez mais seguros e livres de notícias falsas e discursos de ódio. Apesar disso, não se pode deixar de pontuar que, talvez, a internet possa ser observada como um ambiente realmente neutro e livre quando todos os usuários puderem acessar amplamente todos os conteúdos. Uma vez que a internet tem seu acesso cada vez maior e mais barato, espera-se que esta seja uma realidade possível no futuro.

 

Artigo publicado no ConJur.

Artigos Relacionados

Assine nossa newsletter

Consent