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Desenvolvimento sustentável: enfrentando os desafios na agricultura com a biotecnologia

por | 24/01/2023 | Artigos, Patentes

O mundo tem passado por grandes transformações climáticas decorrentes da intensificação do efeito estufa. Estima-se que 23% das emissões antropogênicas dos gases de efeito estufa (de 2007 a 2016) são provenientes da agricultura, silvicultura e outros usos do solo1. Estima-se que até 2040 a temperatura média mundial deva aumentar cerca de 1,5°C, caso a humanidade continue a emitir gases de efeito estufa como fazemos hoje, o que trará como consequência não só variações de temperatura, mas também chuvas e eventos climáticos extremos, como ondas de calor, enchentes, secas, entre outros2.

Em função desse panorama ambiental, será necessário não somente diminuição da liberação de gases de efeito estufa e aumento nas formas de captação de carbono, mas também formas de adaptação a essa nova realidade climática.

Será necessário o desenvolvimento adicional de tecnologias relacionadas à produção de bioenergia e maior produtividade agrícola, tanto em função da necessidade de aumento da área verde em si como também para fins alimentares. Para tanto, devem ser desenvolvidas plantas cada vez mais eficazes no combate a patógenos e insetos, tolerantes a herbicidas e resistentes a ervas daninhas. Será cada vez mais importante, portanto, desenvolvimento de plantas transgênicas, em especial aquelas compreendendo genes empilhados (gene stacking), combinando diferentes transgenes e, assim, diminuindo a susceptibilidade de plantas a patógenos, predadores e desafios ambientais, em função das combinações de diferentes elementos e características funcionais.

Também será fundamental o desenvolvimento de plantas que sejam resistentes a condições ambientais extremas, como altas temperaturas e alagamentos. Técnicas genômicas apuradas associadas a sequenciamentos de última geração tem permitido a obtenção de genomas de forma cada vez mais rápida. Disponibilidade de genomas de diferentes organismos associada ao surgimento de ferramentas recentes e extremamente precisas para a edição gênica, como a Crispr/Cas9, permitirá a realização de alterações metabólicas específicas.

Uma tecnologia que tem se apresentado como uma promessa natural para a agricultura é a epigenética, que estuda compostos químicos e proteínas que podem se ligar a DNAs e ativar ou reprimir genes específicos. A epigenética tem sido estudada principalmente para fins de saúde humana, mas a aplicação em culturas vegetais poderia ser aproveitada. Tais compostos são capazes de aumentar a produtividade, resistência a patógenos e a estresses (térmico ou hídrico), melhorar sabores e valores nutricionais e retardar o envelhecimento, por exemplo3.

Um desafio futuro é que as invenções mais recentes estão cada vez mais multidisciplinares, demandando maior interação entre as áreas. Tecnologias de ponta como inteligência artificial e blockchain estão abrindo novas frentes na agricultura. A tendência é que ocorra uma revolução agrícola com técnicas de ciência da computação.

A inteligência artificial, por exemplo, permite o manejo eficaz de pragas agrícolas, controlando surtos de pragas antes que as mesmas sejam estabelecidas e que haja enormes perdas nas colheitas. Herbivoria, por exemplo, provoca respostas fisiológicas de defesa nas plantas, o que leva a alterações na refletância foliar. Tecnologias avançadas de imagem podem detectar essas mudanças e, portanto, podem ser usadas como métodos não invasivos de monitoramento de culturas. Além disso, é possível utilizar pequenos robôs aéreos não tripulados, ou pequenos drones, em sistemas agrícolas, que obterão dados de refletância do dossel (drones sensores), os quais serão transmitidos como um mapa digital para guiar um segundo tipo de drone (drones de atuação), que poderão atuar liberando precisamente inimigos naturais ou pesticidas. O manejo sustentável de pragas na agricultura do futuro dependerá de novas tecnologias e levará a uma crescente necessidade de colaborações de pesquisa multidisciplinares entre agrônomos, ecologistas, programadores de software e engenheiros4.

Foi disponibilizado, recentemente, o primeiro açúcar mascavo dotado de um sistema de rastreabilidade baseado em blockchain, tecnologia de ponta capaz de atestar a transparência e a integridade das informações do produto. Por meio de um QR Code, o consumidor pode verificar as informações sobre a origem e o processo de fabricação do açúcar. Essa tecnologia é especialmente relevante para produtos que sofrem com adulterações5.

Além da riqueza em biodiversidade, o Brasil é um dos maiores produtores agropecuários do mundo, o que torna o país um destino natural de tecnologias de ponta na área da biotecnologia agrícola. Além disso, há muitos institutos e empresas nacionais e internacionais realizando pesquisa na área da biotecnologia no Brasil.

Para que possamos lidar com tantas necessidades que estão por vir, será necessário desenvolvimento tecnológico como nunca visto, o que só poderá ocorrer mediante estímulos à pesquisa e a garantia da proteção intelectual adequada, com a devida segurança jurídica.

Quanto à proteção patentária, é necessário priorizar a inovação e alinhar a legislação brasileira com a prática internacional consentânea com o estímulo aos investimentos em pesquisas em troca da garantia da devida proteção intelectual do invento, com a ampliação das possibilidades de patenteabilidade de invenções na área de biotecnologia.

A Lei de Propriedade Industrial (LPI) ainda impõe restrições significativas à patenteabilidade de invenções na área da biotecnologia como, por exemplo, a impossibilidade de patenteamento de organismos multicelulares (Artigo 18 (III) da LPI), mesmo que modificados geneticamente, e de material biológico natural (Artigo 10 (IX) da LPI), por não ser considerado invenção. Outro exemplo de vedação à patenteabilidade é a proibição de patentamento de métodos operatórios, cirúrgicos, terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal, o que restringe a proteção de invenções cujo cerne reside justamente em regimes de dosagem e administração terapêutica.

As restrições à patenteabilidade de invenções biotecnológicas, como nos exemplos acima mencionados, podem representar um retrocesso econômico e científico, prejudicando também a atuação de empresas nacionais no ramo biotecnológico, impedindo sua competitividade internacional.

As diretrizes do INPI, em especial as diretrizes de exame de pedidos de patente na área da biotecnologia (Instrução Normativa INPI PR nº 118/2020) e a Nota Técnica CPAPD nº 01/2022 como originalmente publicada, por exemplo, são excessivamente restritivas à patenteabilidade de invenções na área de biotecnologia. A interpretação das exceções à patenteabilidade dos Artigos 10 (IX) e 18 (III) é feita de forma ampla. Por outro lado, o escopo permitido às reivindicações é extremamente restrito com base nos requisitos de suficiência descritiva, clareza e fundamentação previstos nos Artigos 24 e 25 da LPI. A limitação das concretizações patenteáveis e do escopo das reivindicações é um desestímulo à pesquisa e inovação na área da biotecnologia no Brasil.

A Lei 9.456/97, que institui o direito de Proteção de Cultivares, igualmente necessita de atualização, de forma a estar em consonância com a Convenção UPOV mais atualizada de 1991, especialmente para estender o escopo de proteção até o produto da colheita, em razão da dificuldade do exercício do direito de obtentor apenas na fase propagativa. A própria UPOV, que tem a missão de proporcionar e promover um sistema eficaz de proteção de variedades vegetais para estimular o desenvolvimento de novas variedades de plantas em benefício da sociedade, fornece aos países membros um guia para a elaboração de leis com base no ato de 1991, facilitando o processo de atualização dos países membros que aderiram às versões anteriores da Convenção.

O combate à pirataria de sementes/mudas e a inovação na área de desenvolvimento de novas variedades vegetais dependem de uma garantia legal mínima ao obtentor, de exercer seu direito também em relação ao material colhido, incluindo plantas inteiras e partes de vegetais, obtidos através da utilização não autorizada de material de propagação da variedade, notadamente quando não teve a oportunidade razoável de exercer o seu direito em relação ao material de propagação.

Considerando os elementos acima, é de grande importância a atualização da legislação e o maior investimento integrado em pesquisa e desenvolvimento na área de biotecnologia. Esses elementos devem estar na agenda de gestores e tomadores de decisão para que o Brasil tenha um desenvolvimento economicamente e ambientalmente sustentável nas próximas décadas.
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1. IPCC, 2022: Climate Change 2022: Mitigation of Climate Change. Contribution of Working Group III to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [P.R. Shukla, J. Skea, R. Slade, A. Al Khourdajie, R. van Diemen, D. McCollum, M. Pathak, S. Some, P. Vyas, R. Fradera, M. Belkacemi, A. Hasija, G. Lisboa, S. Luz, J. Malley, (eds.)]. Cambridge University Press, Cambridge, UK and New York, NY, USA.
2. Jornal da USP. 25 de fevereiro de 2019. Disponível em: https://jornal.usp.br/artigos/o-que-o-brasil-ganha-com-as-mudancas-climaticas/#:~:text=Um%20deles%20%C3%A9%20chamado%20de,dos%20estoques%20de%20carbono%20florestal. Acesso em: 15/09/2022.
3. Forbes. 05 de agosto de 2021. Disponível em: https://forbes.com.br/forbesagro/2021/08/epigenetica-conduzindo-a-sinfonia-da-genetica/. Acesso em: 15/09/2022.
4. Iost Filho FH, Heldens WB, Kong Z, de Lange ES. Drones: Innovative Technology for Use in Precision Pest Management. J Econ Entomol. 2020 Feb 8;113(1):1-25. doi: 10.1093/jee/toz268. PMID: 31811713.
5. Embrapa. 21 de junho de 2022. Disponível em: https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/71508414/brazil-to-have-first-brown-sugar-tracked-by-blockchain-technology. Acesso em: 15/09/2022.

 

Artigo publicado na Revista da ABPI – Edição Especial 30 anos.

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