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Schrödinger LGPD: o enredo de como o Brasil aprovou a primeira lei que aparenta estar vigente e não vigente ao mesmo tempo

por | 31/08/2021 | Artigos, Digital

No século XX, o físico Erwin Schrödinger fez um dos experimentos teóricos mais estranhos de que se tem notícia: para tentar demonstrar sua teoria de comportamento ilógico de partículas subatômicas, ele propôs prender um gato em uma caixa. Assim, a vida do animal ficaria sujeita à movimentação das partículas: se elas circulassem, o gato morreria, caso contrário, ele continuaria vivo. Logo, segundo as leis da física subatômica, o bicho poderia estar morto e vivo ao mesmo tempo.

A analogia cabe para ilustrar o momento que atravessa a LGPD: nas últimas semanas, muito se falou em alteração na data de vigência, tendo como pivô o artigo 4º da Medida Provisória nº 959/2020, que tentava alterá-la para maio de 2021, sob argumentos plausíveis, como o atraso causado pela pandemia e a inexistência da ANPD.

No entanto, a MP 959/2020 — de iniciativa do Executivo — não teve o necessário apoio, motivo pelo recebeu destaque que propunha nova data para vigência da LGPD: 31 de dezembro de 2020. Ocorre que as Medidas Provisórias possuem prazos legais para serem votadas ou perdem sua validade, e o prazo para votá-la se encerraria no dia 26 de agosto. Ou seja, era necessário votar com urgência.

Foi com essa sensação de 45 minutos do segundo tempo que a Câmara dos Deputados aprovou na última terça-feira (25/8) o adiamento para a nova data de dezembro e o texto foi remetido ao Senado, para votação em um único dia. Entretanto, se já não tínhamos testemunhado reviravoltas suficientes, a principal ainda estava por vir.

Contrariando todos os prognósticos que davam como certo o adiamento, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) apresentou uma questão de ordem: o Regimento Interno do Senado impedia a deliberação, visto que esse debate já havia acontecido em relação à Lei 14.010/2020, em que se decidiu pela postergação somente dos artigos da LGPD que previam as sanções administrativas.

Dando razão ao senador, a Secretaria-Geral da Presidência do Senado opinou favoravelmente à sua questão de ordem e o presidente Davi Alcolumbre acatou o pedido, para julgar prejudicado o artigo que adiava a vigência da LGPD e ainda aproveitou para — de forma totalmente pertinente — questionar a demora na criação da Autoridade Nacional e reforçar que, em sua opinião, a prorrogação dos artigos relativos às sanções administrativas trazem conforto o bastante para admitirmos a vigência da lei a partir de já. Com isso, o artigo 4º foi removido da medida provisória, que foi aprovada com relação aos demais dispositivos.

O que fez o Senado trouxe grandes incertezas quanto à real data de vigência da LGPD: julgar o dispositivo como prejudicado — em vez de rejeitá-lo no mérito — traz implicações práticas do maior calibre, já que suscita diversas questões sobre a tramitação de medidas provisórias, gerando um cenário de incertezas generalizadas.

Afinal, entraria a lei em vigor imediatamente (diante da rejeição)? A partir de 27 de agosto (dia seguinte à deliberação)? Seria necessário aguardar a sanção ou veto presidencial? Ou será que a vigência da LGPD retroagiria à data de 16 de agosto e estaríamos nós vivendo esse tempo todo sob sua vigência sem saber?

O Senado já emitiu opinião de que a vigência ocorreria após a sanção presidencial, mas a jurisprudência do STF não é tão clara. Assim, curiosamente, as aparências indicam que a LGPD está e não está vigente ao mesmo tempo. Quem arrisca um palpite?

 

Artigo publicado no Estadão. Leia aqui.

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